domingo, 28 de abril de 2013

ESTE É MEU, É SEU, É NOSSO - Introdução a parodia no cinema brasileiro


CHANCHADA

     CHANCHADA: Peça teatral burlesca, que visa apenas o humorismo barato, dic.
     O primeiro registro sobre filmes “chanchadas” que será indicado aqui é de 1909 como provável inicio do estilo.

ESTE É MEU, É SEU, É NOSSO
Introdução a parodia no cinema brasileiro

     Em 1954, o filme Nem Sansão Nem Dalila, dirigido por Carlos Manga, parodiava a superprodução Sansão e Dalila, de Cecil B. de Mille, lançado alguns anos antes.
     A palavra parodia nos remete imediatamente para um objeto que existe anterior a ela e que se torna à razão de sua própria existência. Do objeto artístico original, seja ele uma peça teatral, musical, um romance, ou um filme, até o novo objeto, ocorre um processo de transformação no qual a parodia procura imitar o original de forma cômica. Ela é uma imitação, que geralmente dá a impressão de algo grosseiro, de segunda mão, apresentando elementos de humor, nonsense e de ridículo. Como uma das formas de sátira, a parodia se coloca numa posição sempre critica do próprio discurso ao qual ela se dirige. Entretanto, no caso do cinema brasileiro, a parodia se transforma numa sátira de si mesmo, criticando o próprio cinema brasileiro. Aqui, a intenção primeira da parodia seria muito mais a capitalização dos resíduos de sucesso do modelo original do que a critica ao seu discurso.
     No cinema brasileiro, a parodia exibe uma multiplicidade de formas.  Há uma profusão de parodias voltadas para conhecidas personalidades do meio cinematográfico como a imitação que Oscarito fez de Elvis Presley no filme De Vento Em Popa (1957), onde o cantor passou a se chamar “Melvis Prestes”, ou sua imitação de Rita Hayworkh em Este Mundo é Um Pandeiro (1947). Norma Bengell marcou presença nos últimos anos de chanchada parodiando Brigitte Bardot no Homem de Sputnik (1959). Um outro exemplo dessa tendência é a síntese feita por Costinha de vários elementos presentes no Tarzan, seja através do cinema, como em Costinha, o Rei da Selva (1976), ou em inúmeros comerciais e programas de televisão durante uma época. Outras vezes a parodia é feita em cima de personagens históricos 1/ou literários geralmente identificados com certa cultura de elite. É, por exemplo, o caso de Oscarito travestido de Helena de Tróia em Carnaval Atlântida (1953) ou a antológica apresentação de Romeu e Julieta feita também por ele e Grande Otelo no clássico de Watson Macedo em Carnaval no Fogo (1949). São também os casos de filmes como Sherlock Holmes de Araque (1958), O Barbeiro Que se Vira (1957), As Três Mulheres de Casanova (1968), dentre outros. Em alguns casos, a parodia associa-se ao filme original através de referencias especificas, independente de uma relação, mas intima com a narrativa, como é o caso de citações a O Exorcista presentes no filme de Mazzaropi, Jeca Contra o Capeta (1976). Em Assuntina das Amerikas (1976), Nelson Dantas pula numa poça d’água cantando e dançando como se fosse em Cantando na Chuva. Em algumas parodias, aproveita-se a idéia inicial de um filme de bastante sucesso para se criar, a partir daí, uma serie de situações novas. Como exemplos, podem ser citados filmes feitos para o publico infanto-juvenil, geralmente lançados durante as ferias escolares, dentro da serie dos Trapalhões: Os Trapalhões no Planalto dos Macacos, com obvias referencias ao filme e serie de televisão Planeta dos Macacos; ou Os trapalhões na Guerra dos Planetas, inspirado pelo enorme sucesso de Guerra nas Estrelas (Star Wars); ou ainda o Incrível Monstro Trapalhão (1981) que se originou também da serie de televisão O Incrível Hulk. Vale a pena observar aqui a crescente influencia da televisão na produção de parodias, mantendo também a mesma relação de dominação pelo filme americano encontrado no cinema. Tale o caso de alem do Hulk, o filme O Homem de seis Milhões de Cruzeiros Contra as Panteras (1978). A serie dos Trapalhões conta, como a base que garante o seu sucesso, com a extrema popularidade dos quatro comediantes consagrada na televisão. Entretanto, a principal estratégia destes filmes se encontra no deslocamento operado em cima de heróis e personagens famosos do universo clássico infanto-juvenil, sejam eles do cinema, televisão ou da literatura, que são trazidos para situações bem mais próximas do expectador. Tal é a formula de filmes Omo Simbad, o Marujo Trapalhão (1976), O Trapalhão na Ilha do Tesouro (1975), Robin Hood, o Trapalhão da Floresta (1977), Os Trapalhões nas Minas do rei Salomão (1980), Cinderelo, o Trapalhão (1980), etc.
     O publico adulto, entretanto, também não ficou fora desta tendência através de uma versão pornô da historia da Branca de Neve e os Sete Anões, conforme apresentada no filme Historias que Nossas Babás não Contam (1980).
     Em alguns casos ocorre também a peculiaridade da referencia ao titulo do filme original sem que encontremos em sua narrativa traços de parodia propriamente ditos. É o caso por exemplo, do filme A Banana Mecânica (1973), produzido em cima de expectativa provocada pela possível interdição de A Laranja Mecânica no Brasil. A mesma estratégia se aplica a Emannuelle Tropical, cujo o original só foi visto no Brasil muito tempo depois. Entretanto Emmanuelo, o Belo (1978) além do titulo, foi interpretado por Silvio Cristal, ele próprio uma parodia de Sylvia Kristel. Também recentemente, o filme Nos Tempos da Vazelina (1979), se referiu de maneira direta ao titulo da produção americana Grease (nos tempos da brilhantina). O Filho do Chefão (1974) e Omanias, o Poderoso Machão (1974) não tem nada a ver com o épico em duas partes de Coppola, O Poderoso Chefão a não ser pela utilização da lembrança do titulo. Também em 1974, Exorcismo Negro refletem o impacto causado pelo filme O Exorcista, sem, necessariamente, se constituírem em parodias do filme americano. Também, no final dos anos 70, devido ao sucesso das discotecas, principalmente como apresentadas em Embalos de Sábado a Noite aparecem dois filmes de temática semelhante: Vamos Cantar Disco Baby e Sábado Alucinante, este ultimo muito parecido e sua historia com outro filme americano sobre discoteca, chamado Até que Enfim é Sexta-Feira. Trata-se, no fundo, de uma questão de marketing e de sobrevivência, que tenta capitalizar, para o similar nacional, um pouco de sombra do filme estrangeiro, passando para o publico até como uma possibilidade de parodia.
     Apesar de a maioria da parodias se voltar para o filme estrangeiro, há também os casos de parodia dirigidas ao cinema e a cultura brasileira, como, por exemplo, a imitação que Cole fez de Rodolfo Meyer de Obrigado doutor, no filme de Moacyr Fenelon, Estou ai? (1949).Em É o Maior (1958), Sonia Mamede e Nadia Maria parodiavam duas das maiores estrelas da Radio Nacional da época, Marlene e Emilinha Borba. E dois dos gêneros mais populares do cinema brasileiro, o filme de cangaceiro e a própria chanchada foram também parodiados em filmes como O Primo Cangaceiro (1955) e Os Três Cangaceiros (1961), enquanto que Cacá Diegues evoca em Quando o Carnaval Chegar (1972) o clima das comedias musicais da Atlântida. Rogério Sganzerla também não deixa de lado a chanchada na mistura de gêneros proposta por seu filme O Bandido da Luz Vermelha (1968) onde a própria chanchada explica a mistura que há no filme entre policial, western, ficção cientifica, etc. O mesmo acontece com alguns filmes de Julio Bressane, notadamente O Rei do Baralho (1973) onde, alem da presença de Grande Otelo, há uma serie de situações típicas da chanchada. Em tais filmes, a chanchada, alem do seu potencial próprio como catalisadora da parodia, entra nesses filmes como um dado cultural tipicamente brasileiro e que havia sido radicalmente rejeitado pelo Cinema Novo.
     Gêneros específicos do cinema tem sido mais ou mesmo abordados através de parodias no cinema brasileiro. O filme de espionagem, devido ao sucesso espetacular de James Bond, recebeu resposta no filme 007 e Meio no Carnaval (1966), com Costinha e Chacrinha, e em A Espiã que Entrou em fria, que alem da referencia ao titulo do livro e filme O Espião que saiu do Frio tinha, no elenco Carmem Verônica interpretando Jame Bond. O horror não apenas se tornou o tema preferido do cineasta José Mojica Marins, na serie de filmes com o personagem Zé do Caixão, como também já ofereceu exemplares que vão desde o filme de vampiro. Como Um Sonho de vampiros (1969), onde Ankito interpretava o vampiro Dr Pan, até o filme de múmia, caso recente do excelente filme de Ivan Cardoso O Segredo da Múmia (1982). Durante uma época, devido ao sucesso alcançado pelos spaguetti-western (eles mesmos já constituídos de parodias dos western americanos), apareceram entre nossos filmes como Uma Pistola Para D’jeca (1970), D’gajão Mata Para Vingar (1971), Rogo a Deus e Mando Bala (1972), Um Pistoleiro Chamado Caviúna (1972), que exibia na trilha sonora, canções da dupla Crioulo e Seresteiro misturadas com musicas de Ennio Moricone. O filme de karate também possui um similar nacional, Kung-Fu Contra as Bonecas, dirigido por Adriano Stuart em 1976, parodia aos filmes que apresentavam lutas marciais chinesas, mas que mistura cangaceiros com orientais, estes aplicando golpes baixos nos brasileiros.
     Uma outra forma de parodia, a que justamente mais me interessa, é a que segue bem de perto a estrutura narrativa do original, alem de exibir todas as características das outras formas já citadas. São exemplos “clássicos” de filmes como, nos anos 50, no apogeu da chanchada, Nem Sansão Nem Dalila e Matar ou Correr, ambos de 1954 e igualmente dirigidos por Carlos Manga, ou, mais recentemente, num confronto direto com filmes de grande sucesso, sustentados por um forte aparato tecnológico de efeitos especiais como a nova versão de King Kong sendo Costinha e o King Mong (1977). Também nesta categoria apareceu em 1978 uma parodia de Dona Flor e Seus Dois Maridos, dirigida por Mozael Silveira, intitulado Seu Florindo e Suas Duas Mulheres. È interessante notar que, a nível de alguns produtores nacionais, a relação de poder estabelecida entre Dona Flor no cinema brasileiro seria semelhante a de outros filmes de sucesso estrangeiros.
     Historicamente é difícil determinar com precisão quando se manifestou pela primeira vez no cinema brasileiro essa tendência a parodia, ainda que, segundo Vicente de Paula Araújo em A Bela Época do Cinema Brasileiro, filmes como “uma versão mais alegre” de A Viúva Alegre, exibido em 1909, possam provavelmente ser incluídos nessa categoria. Segundo o autor, as adaptações nacionais de operas famosas efetuadas em alguns dos “filmes-cantantes” eram geralmente adaptações livres de maiores compromissos com os originais. Tal ligação com o teatro pode também indicar que esse impulso paródico não foi privilegio do cinema e que já existia no século XIX na área do vaudeville, como demonstram algumas peças de Artur Azevedo voltadas para a ridicularização do teatro francês dominante na época. Entretanto, já na época do cinema falado, registra Alex Viany em Introdução ao cinema Brasileiro, que Lulu de barros dirigiu um trio de comediantes formado por Genésio Arruda, Tom Bill e Vincenzo Gaiaffa no filme O Babão (1931) que parodiava o grande sucesso do ator Ramon Novarro em The Pagan, produção americana de 1929. Genésio Arruda, o protótipo do caipira mais tarde cristalizado por Mazzaropi, aparecia de cuecas e, com sotaque, cantava a sua versão do Pagan Love Song:

“Neste bananar,
Terra tropicar
Um amor babão
Vem ao coração”

     Copias desses primeiros exemplares de parodia infelizmente já não existem e apenas o que sobrou pode ser estudado textualmente. Esta tendência parodica iria encontrar seus momentos de gloria no rio de janeiro, alimentada pelo espírito essencialmente carnavalesco das chanchadas da Atlântida, evidenciada já no filme Carnaval Atlântida (1952), de José Carlos Burle, e aprimorada por Carlos Manga dois anos mais tarde em Matar ou Correr, parodia do filme de Fred Zinnerman Matar ou Morrer e em Nem Sansão Nem Dalila.
     Como observamos antes, a linguagem do carnaval, aliada a função do riso, é um código cultural dominante que anima e dinamiza a sátira das chanchadas. Entretanto, as relações estabelecidas entre Carnaval/Chanchada/Parodia precisam ser investigadas em maior profundidade. Em seu ensaio “Carnaval Como um Rito de Passagem”, Roberto da Matta conclui que o sistema de inversões operado durante o carnaval cria uma serie de situações novas nas quais criticam-se certos aspectos da estrutura social e onde se permite perceber melhor a diferenças existentes nessa estrutura. A parodia dos filmes americanos nos três exemplos citados acima, bem como nos mais diferentes momentos paródicos encontrados na maioria dos filmes brasileiros produzidos entre os anos 30 e o inicio dos anos 60, é geralmente identificada pelo publico e a critica como filmes  carnavalescos. Na verdade, um numero considerável de chanchadas da Atlântida foi feita para divulgar as canções carnavalescas inscritas arbitrariamente na narrativa dos filmes. Embora ao ocorram canções em Matar ou Correr ou Nem Sansão Nem Dalila, a classificação da chanchada,
     Por definição, os insere no universo maior do carnaval o que permite traços da dinâmica de inversões próprias do carnaval que indica também a existência de aspectos críticos do funcionamento da estrutura social. É como se a critica efetuada nas chanchadas só fosse apenas permitida dentro dos limites circunscritos pelo universo carnavalesco. Há nesses filmes criticas e observações freqüentes sobre a vida política e administrativa no Rio de janeiro, a Capital Federal da época, como, por exemplo, a falta de luz elétrica e de água em muitos bairros da cidade, o aumento dos gêneros alimentícios, os políticos com sua retórica populista, cheia de promessas que não são nunca cumpridas, a mudança de capital para Brasília, diferenças de asse, burocracia e burocratas, a situação do negro sociedade brasileira, etc...
     O público entendia e identificava-se com essa linguagem. Como um subi-gênero da chanchada, a paródia está imersa no universo carnavalesco, que sempre permitiu críticas dirigida a estrutura social.
     Conforme observou Jean Claude Bernadete Nem Sansão Nem Dalila é um dos melhores exemplos de filmes declaradamente políticos no Brasil ao mostrar, com clareza; as manobras de um golpe populista bem como a contra reação. Usando vários pontos de contato com original americano (principalmente na seqüência de espetáculo como as danças no palácio, festas, a queda e destruição do templo no final) Carlos Manga elaborou uma paródia alegórico onde Sansão (Oscarito), (devido à sua força) é nomeado o governante do Reino fictício de Gaza e, nessa posição, passa a ser constantemente vigiado como o alvo da missão (pela sua força) demonstrada pelo poder instituído anteriormente composto pelo antigo e pelos líderes militar e religioso. Obviamente é o líder militar  quem aspira ao poder total. Ingênuo e desavisado, Sansão não percebe as intenções do militar, claramente contrárias as medidas tomadas pelo herói no interesse do povo, como por exemplo, a criação da aposentadoria, a euforia desenvolvimentista e no incentivo à produção de eletrodomésticos, a instituição de feriado todos dias do ano com exceção do dia do trabalho (são inúmeras as referências paródicas a gestão de Getúlio Vargas), a diminuição do preço do pão e do farelo, enfim, medidas que desagradam diretamente os comerciantes. Estes queixam-se e a corte mostra se insatisfeita, preparando-se para derrubar a Sansão. Dalila, sob tortura, é compelida a descobrir onde reside a força de Sansão e enquanto Sansão dorme, acaba levando uma paulada na cabeça e perde a peruca para o chefe militar. Extremamente atual, pois os problemas de Gaza “ são iguais  aos de uma terra que conheço”, o filme discute ainda a relação entre os meios de comunicação e o poder, denuncia escândalos como a mistura de água no leite e o enfraquecimento da moeda local
(o guinar) que deve, sob a sugestão de Sansão ser trocado por dólares e imediatamente. Além disso, Nem Sansão Nem Dalila, através de uma narrativa onírica, da forma o sonho de Oscarito que, enquanto empregado do salão de Dalila, aspira chegar ao poder um dia, derrubar o seu empregador, o sr Artur (que o líder militar no sonho) e construir uma sociedade um pouco mais justa. Assim, o filme torna-se um bom exemplo do potencial da chanchada e conseqüentemente da paródia no tratamento de certos tópicos que, mais tarde, o Ninema Novo queria abordar de uma forma radicalmente diversa.
     No mesmo ano em que realizou Nem Sansão Nem Dalila, o Manga dirigiu uma outra paródia, Matar ou Vorrer, com o Oscarito uma vez mais no papel principal, mas ao contrário daquele, o filme respeita muito mais a integridade do original, principalmente a nível da representação e como proposta estética. O personagem de Oscarito, oposição direta aquele interpretado por Gary Cooper, é um meio termo entre palhaço e covarde, sem as observações críticas que tornam Nem Sansão Nem Dalila um filme bastante atual no contexto de hoje. Matar ou Correr e afirmam que, de todas as maneiras, a superioridade do cinema americano pelo simples confronto entre o heroísmo épico do oeste e a falta de jeito e a covardia exibidos pela imitação brasileira. O confronto é explicitado com toda clareza no duelo final realizada na rua deserta de City Down, a seqüência mantendo o inclusive uma semelhança impressionante a decupagem de High noon, onde as batidas rítmicas do relógio que marca os minutos de suspense com a aproximação do meio-dia corresponde uma mudança de plano justapondo, em plano médio, os rostos dos principais protagonistas do drama. Aqui, como durante todo o filme, a paródias se limitam aos personagens cômicos da narrativa, Oscarito e Otelo, pois enquanto os demais são mantidos há uma certa distância que respeita sua integridade física e reproduz o tipo representado nos modos conhecidos pelo público (o galã, qual a a mocinha, com os vilões, etc.) Oscarito e Otelo São colocadso muito próximos da janela achatando o nariz contra o vidro, produzindo assim um efeito cômico. No duelo final, a música sublinha a paródia desenvolvida principalmente pela interpretação de Oscarito em confronto com a de Lewgoy. O vilão e é levado ”a sério”, seu tipo, seu modo de caminhar e segurar a arma enquanto que o xerife Oscarito é lançado para fora, cai, levanta sacode na poeira, tropeça, hesita, sua arma não consegue sair do coldre, etc. A música dos planos em que se mostram Lewgoy é solene, de suspense, ao passo que, sobre essa música, nos planos em que vemos Oscarito, então dois instrumentos e que para  uma sutil linha melódica nitidamente de deboche. Desta forma a uma simetria perfeita entre o verdadeiro drama, autêntico e real, ou seja aquele desenvolvido pelo vilão e pelos demais personagens e a imitação, a paródia, falsa, grosseira e debochado presente nos elementos brasileiros colocado nessa narrativa, que é a dupla Oscarito e Grande Otelo.
     Dentro do próprio filme fica evidente essa divisão que mantém o respeito pela integridade e daquilo que pode ser considerado como o verdadeiro cinema, o cinema “sério” onde a cópia é perfeita, como a reconstituição de uma cidade antiga do faroeste, feita em Jacarepaguá, a ambientação, os tipos, determinadas situações dramáticas “muito bem” resolvidas enquanto representação. “Excelente”, por exemplo, a associação que a na montagem entre o tropel dos cavalos da diligência e o corte para as pernas das dançarinas e do solo um no movimento cancã, exemplo do desejo e do olhar cinematográfico de manga em que se aproximar o mais perfeitamente possível do cinema que ele considera bom.
     A paródia demonstra, dessa forma, uma ambigüidade característica que, atuando criticamente em relação a si mesma e demonstrando um profundo sentimento de alto desprezo. Ela critica e ridiculariza o próprio cinema brasileiro por não poder se igualar o modelo americano, apesar do desejo de seus produtores. Sob este aspecto, a observação de Mario Chamie ora (citada por Jean-Paul do Bernadet) de que o público brasileiro é levado a rir de si mesmo, e parece bastante apropriada. Numa atitude que reflete total colonização, sugere-se que a perfeição e o bom acabamento técnico são incompatíveis com o cinema brasileiro, o qual, por sua vez evolui baseado apenas para deboche e na ironia carnavalesca. Após anos e anos de dominação do cinema estrangeiro no Brasil, o grande legado desse processo de colonização cultural foi que ambos, público e crítica, desenvolveram a mesma atitude em relação que deveria ser considerado como “verdadeiro” cinema, consenso este que sempre confundiu o veículo com uma determinada forma de trabalha-lo, nesse caso, o da continuidade ensinada pelo cinema clássico narrativo americano. Para público e crítica fazer cinema significava, que significa ainda em muitos casos, proceder dentro dos parâmetros estabelecidos impostos por Hollywood. Inúmeros exemplos dessa atitude são encontrados em críticas da época:
“ o que é realmente bom em Esse Mundo é Um o Pandeiro é a fotografia admirável de Edgar Brasil, nítidas e belas pelo que há nela de artístico e ou ângulo e efeitos de luz - e o sol, claro, muito bem gravado de Jorge Coutinho, causas em que o nosso cinema se iguala ao americano, tendo avançado muito".
    O ideal, o sonho, era não apenas igualar o cinema americano, visto como padrão máximo atingido por essa arte, mas, também como conseqüência, negar a capacidade de se realizar um cinema brasileiro, como se o cinema não tivesse um lugar na produção cultural do Brasil. Tal tipo de crítica reflete bem a situação de colonização cultural encontrada entre nós.
     Em outras palavras, se você tem talento para o cinema, não fique no Brasil. Vá para Hollywood uma vez que ela é a terra do cinema. Essa atitude subserviente está presente na chanchada e, como vimos, reflete-se igualmente em algumas paródias aos filmes americanos. Talvez nem no outro filme tenha explicitado tais relações com tanta clareza como Carnaval Atlântida, 1952 de José Carlos Burle, cuja narrativa centraliza-se exatamente na possibilidade de se realizar um filme épico, de grandes proporções, no Brasil. Carnaval Atlântida reconhece que uma vez mais, a impossibilidade de se copiar os padrões americanos de cinema e a intenção do diretor Cecílio B. de Milho (Renato Restier) de filmar o épico e Helena de Tróia  no Brasil é posta de lado em virtude do reconhecimento implícito de que o cinema nacional não é dado a temas sérios. Seriedade e honestidade no esquema proposto pelo filme, significam a impossibilidade de se firmar no Brasil superproduções com cenários luxuosos e muitos extras dentro dos padrões estabelecidos por Hollywood para esse gênero. Contrários às intenções do diretor estão os argumentos que favorecem uma adaptação “menos séria”, mais popular da história de Helena de Tróia, ou até mesmo a substituição daqueles argumentos por um outro, mais um filme carnavalesco, o que, no final, acaba mesmo acontecendo sob a condição exigida pelo diretor De Milho de que  o de que Helena de Tróia fosse filmada mais tarde, quando o cinema brasileiro contasse com melhores condições técnicas (fotografia a cores, som, bons atores, dinheiro) para dedicar-se se a superproduções. Naquela época, tudo o que o cinema brasileiro podia fazer eram os filmes de carnaval. Com toda essa dificuldade, o subdesenvolvimento é assumido e Helena de Tróia reaparece sob forma carnavalesca. Como se, no Brasil, temas considerados sérios só tivesse um lugar mesmo no carnaval. “Helena de Tróia não vai funcionar. O povo quer mesma dançar bem, Sassaricar”. Diz Regina (Eliana) ao pai, o diretor do filme, numa referência óbvia a seriedade do tema histórico, característico da e mutabilidade do passado, de coisas antigas e mortas, próprias de uma elite intelectual e não do povo, segundo uma ótica bastante particular encontrada na maioria das chanchadas que, inevitavelmente, articulava o qual a posição em que “popular” e “cultura de elite”. O presente pelo passado são, em geral, identificados nesses filmes como pertencendo o primeiro a cultura popular e, o segundo, a cultura de elite. Nessa lógica explica-se a trajetória do professor Xenófontes (Oscarito) que deixa o colégio Atenas, onde lecionava a filosofia de Zenão, para cair nos braços do Furacão de Cuba (Maria Antonieta Pons), o estereótipo da mulher latina, sensual que perturbam os homens. Do colégio, o professor aprende a rumba, cai no samba e no carnaval e se mete com o cinema. Depois de reconhecer o fato de que em sua passagem por Cuba ele estudou apenas os esqueletos e não as mulheres (identificadas com o presente), ser da conta do tempo que perdeu e, seduzido pelo “Furacão” deixa de lado os gestos polidos e a linguagem erudita para descambar numa total avacalhação do personagem.
     O confronto entre a representação típica da imagem e do cinema brasileiro e a do cinema americano e é explicitado na seqüência em que De Milho mostra os cenários e explica suas idéias para a filmagem e de Helena de Tróia. A produção parece toda muito pesada, enquanto que os gestos dos atores são excessivamente teatrais e artificiais. A cena mostra um jardim num palácio grego, construído precariamente em estúdio. Contrastando com a visão “elitista” do diretor, segue-se um plano subjetivo de dois representantes populares, contínuos do estúdio, típicos malandros cariocas, interpretados por Grande Otelo e Colé. Através dos olhares dos dois, passa a ser imediatamente da cena “acadêmica para o carnaval, e Blecaute entra fantasiado de grego, cantando a marchinha Dona Cegonha, sucesso do carnaval de 1953, enquanto que Grande Otelo, desajeitado, tropeça nas vestes largas e compridas que agora usa, dançam ao redor de Blecaute. Otelo provoca o riso em toda a seqüência, reforçada pelo incrível deslocamento espacial, temporal e temático da canção em relação narrativa do filme.
     Poucas paródias recentes foram tão “seriamente” elaboradas quanto de King Mong e, principalmente, Bacalhau. Nesses dois filmes, é condição essencial o fato de que o espectador tem assistido aos originais a fim de que os mecanismos da comédia possam atingir os objetivos desejados. É igualmente necessário que, nesse processo, o espectador compare continuamente a paródia com seu modelo, ou melhor dizendo, a imitação, a mentira, com a verdade. E exatamente nesse sentido que ambos os filmes trabalham contra o cinema brasileiro, uma vez que a postura adotada por eles em relação aos originais é de visível inferioridade. Tal postura poderia ser crítica, realizando o sentido das paródias, ou seja a sátira frente a frente com original. Desta forma haveria espaço para uma reflexão sobre as condições econômicas de culturais do cinema brasileiro que mostrasse, por exemplo, o poder de infiltração do cinema americano na formação do espectador. Como observou Jean Claude Bernadet em crítica ao Bacalhau, a paródia deveria desenvolver estratégias que permitisse mostrar com maior clareza e ironia certos significados subentendidos que esses filmes sempre contem. No caso de para a aprovação para o qual o passa os mapa a prova em branco Tubarão por exemplo, mostrando a vitória da polícia aliada à ciência, sobre o povo, representando grotescamente pelo pescador Quint, com a vitória do conhecimento científico e tecnológico, aliado ao aparato policial sobre o empirismo e a intuição do pescador. Em Bacalhau o que ocorre é exatamente a o posto. O filme segue de perto o desenvolvimento narrativo de Tubarão  mantendo apenas os espectros superficiais e exteriores que despertam no espectador a lembrança do original. Logo no início do filme, após a seqüência dos créditos, repete-se a seqüência dos jovens reunidos na praia à noite, sob a luz de uma fogueira. Uma jovem se afasta do grupo e deixa seu namorado beijando a areia... o plano focalizando o rapaz que custa a perceber que está só e continua beijando areia. Como espectador já sabe de antemão que vai acontecer com a garota e como o cinema brasileiro não tem a mesma tecnologia americana que permita a filmagens submarinas, detalhes do primeiro ataque do Bacalhau foram eliminados. No dia seguinte, um esqueleto branco e brilhante é encontrado na praia por um costureiro homossexual. A entrada deste personagem no filme, inexistente no original, tem a função de disfarçar e diluir os possíveis significados mais profundos que a paródia poderia desenvolver além de servir como elementos de identificação entre o espectador e o cinema brasileiro, uma vez que tal personagem homossexual é bastante encontrado na pornochanchada, devolvendo a platéia estereótipos e situações típica deste gênero mais recente em nossa produção cultural. Tal é o nível de transformações em relação ao original. A intenção principal é atingir uma identificação cultural a nível superficial, sem tentar ir um pouco mais longe como em algumas paródias da época da chanchada, sem tentar falar alguma coisa mais importante em termos de uma observação mais atenta à determinados aspectos de nossa realidade. Em Bacalhau, o oceanógrafo (Adriano Stuart) é português, ligeiramente estúpido, caçador de mulheres, que vive pescando mulatas na praia. O delegado de polícia (Hélio Souto) aparece de forma igualmente grotesco, vestido todo de azul, em bermudas, chapéu de caubói e meias listradas e, enquanto que o pescador (Maurício do Valle) aparece também desengonçado, enrolado em linhas e anzóis. O prefeito (Dionísio Azevedo) passeia pelo vilarejo carregando nas costas cartazes de propaganda política. Dessa forma; o ridículo das transformações serve de catalisador para o efeito cômico como e conseqüentemente estabelece o grau de inferioridade do filme nacional na comparação que automaticamente é feita na memória do espectador. Nesta memória o filme reativa também um velho hábito e preconceito presente em muitos espectadores brasileiros, que adoram os filmes estrangeiros em detrimento dos brasileiros, reação hoje presenciada por qualquer um atento o as exibições dos curta-metragens brasileiros em sessões onde o longa é estrangeiro.
     Carnaval Atlântida é um filme onde as oscilações existentes entre paródias, chanchada e carnaval tornan-se mais claras pois são apresentadas de tal forma que cada termo é absorvido e explicado dentro dos limites de domínios dos outros. Assim, a paródia surge como a única resposta subdesenvolvidas possível de um cinema que, ao propor a imitar o cinema desenvolvido acaba rindo de si próprio dentro de um gênero específico de rua a chanchada, que, por sua vez, está inserida no universo carnavalesco e de longa tradição cultural no Brasil.
     O espírito carnavalesco da chanchada que permitia que a paródia fosse feita com grande margem de independência em relação ao modelo original, Nem Sansão Nem Dalila e Matar ou Correr, além dos títulos, mantendo um estreito vínculo narrativo com os originais, embora tornen-se mais autônomos a medida em que os filmes avançam, pela introdução de personagens novos e de novas situações. O clímax narrativo dos originais é mantido nessas duas paródias, como é o caso da destruição do templo e do duelo final numa rua do faroeste. Entretanto devido ao respeito já apontado pelo gênero western, Matar ou Correr consegue ser mais fiel ao original do que Nem Sansão Nem Dalila.
     Num contexto mais recente, independentemente da tendência carnavalesca encontrado nas paródias da Atlântida, a situação em relação ao filme original é diferente: aqui exige-se que a memória comparativa do espectador seja solicitada constantemente de modo a satisfazer certas expectativas, diminuindo o grau de autonomia que a paródia possui a anteriormente. A toda hora o original é chamado a memória do espectador como um mediador de relação paródia/espectador, tornando a relação de dependência proporcionalmente maior. ...

O resultado é extremamente negativo para o cinema brasileiro como demonstrou filmes mais recentes como, por exemplo, Bacalhau e Costinha contra o King Mong. Deve-se salientar ainda que, nesse contexto recente, as paródias dirigen-se, uma vez mais, a filmes americanos de sucesso comprovado, caracterizados por uma parafernália poderosa com base em efeitos visuais especiais, o que parece fascinar alguns diretores brasileiros que consideram o nosso cinema incapaz de produzir similares. A impressão que se tenha de que certos filmes também de sucesso, porém mais próximos da realidade econômica do produtor brasileiro, não são tão sedutoras quanto as poderosas demonstrações de tecnologia dos do mesmo. Não se fez, por exemplo, nenhuma paródia de Love Story.
     A importância de Costinha e King Mong reside no fato de que, pela primeira vez, o cinema brasileiro conseguiu concretizar o ideal da paródia durante muitos anos e: o lançamento simultâneo com original. Este filme, aproveitando-se do aparato publicitário da superprodução de Dino de Laurentis, foi capaz de furar o bloqueio do cinema americano e dirigindo-se a uma faixa de público para o qual o original era inacessível devido à proibição até 14 anos. King Mong se utiliza da popularidade de Costinha e do menino prodígio Ferrugem para compor uma imitação grosseira de King Kong, onde, uma vez mais, o maior resultado alcançado  o riso a pobreza brasileira. Planos médios da mão do macaco revelam o plástico artificial e que lembra um enorme sofá preto; as máscaras do rosto são rígidas, sem mobilidade de expressão; a miniatura do Cristo Redentor é malfeita, como a trucagem, permitido a espectador a percepção fácil de que o que se vê são painéis fotográficos. Tudo isso poderia perfeitamente existir dentro de uma outra intenção de objetivo. 
Ao invés de tentar imitar de forma pobre por ilusionismo técnico do cinema de Cannes, filmes como o King Mong o Bacalhau poderia, através dos mecanismos próprios da paródia, denunciar esses mesmos instrumentos do ilusionismo revelando para espectador as estruturas de manipulação que se escondem por trás do aparato tecnológico e, desta forma, talvez contribuir para o enriquecimento de desenvolvimento de um espectador mais inteligente e criativo, infelizmente isso não acontece. Este tipo de paródia apenas faz com que o espectador glorifique ainda mais o cinema de Hollywood como o único, autêntico e legítimo cinema, reconhecendo a incapacidade brasileira para copiar bem. Tal tipo de paródia trabalha assim duplamente contra o cinema brasileiro. Por um lado reaviva um velho preconceito segundo o qual o filme brasileiro é ruim, por outro, autoriza conseqüentemente uma certa prática dominante do filme clássico narrativo americano, da superprodução, do filme de efeitos técnicos-como válida, legítima e autêntica, reconhecendo a eficiência de linguagem de um cinema opressor. Ao cinema brasileiro restaria apenas uma gargalhada a sua incompetência.

Matéria e extraída da revista Filme Cultura. Ano XVI, maio de 1983 número 41/42 da Embrafilme. matéria de João Luiz Vieira
Este artigo sintetiza algumas das idéias centrais desenvolvidas em tese de doutoramento a ser apresentada ao Departament of Cinema Studies  da New York University. Uma versão mais aplicativos, principalmente nos aspectos culturais da chanchada, foi publicada na antologia Brasilian Cinema, editada por Robert Stam e Randal Johnson, publicada em Nova York pela Farley Dickinson, em 1982.

     Luiz Vieira / 1982

Nenhum comentário:

Postar um comentário